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PMs que trabalham nas UPPs relatam medo e desejo de transferência para suas cidades de origem.

Policiais apontam falta de estrutura, salários atrasados e aumento do poderio dos criminosos como motivação para retornar.

Sul Fluminense – Policiais militares que moram no Sul Fluminense e são lotados em Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) na capital relataram ao DIÁRIO DO VALE o clima de terror com que convivem no trabalho. As falas são extremamente parecidas: falta de estrutura, de apoio governamental e salários atrasados. Por outro lado, todos atestaram o aumento do poderio do crime e, consequentemente, da violência. A situação faz com que exista o desejo comum de conseguir uma sonhada transferência para um batalhão do interior.

A morte do soldado André de Jesus da Silva, de 36 anos, morador de Volta Redonda e baleado em uma ação na UPP da Cidade de Deus, Zona Oeste do Rio, fez despontar o desejo dos jovens falarem o que estão enfrentando. As declarações são um retrato claro de como a segurança pública se tornou falha na mesma medida com que os recursos financeiros do estado definharam. A falta de dinheiro, no entanto, é apenas um dos itens citados pelos soldados para a falência do projeto mais balado do governo estadual. Os nomes dos entrevistados serão preservados, pois uma vertente da Polícia Militar que ainda funciona bem é o castigo para quem quebra a hierarquia.

– Há quatro anos nós tínhamos salários em dia, horas extras pagas. Hoje fazemos hora extra e não sabemos quando ou se vamos receber. A situação é crítica, desanimadora – disse o soldado J.

Com 28 anos, ele está há quatro na Polícia Militar e durante todo esse período trabalhou em UPPs. Com tal experiência, diz que o projeto não foi implantado em sua totalidade a partir do momento que o Poder Público deixou o aspecto social de lado.

– Faltou a parte social. O governo mandou a gente para lá e não fez mais nada. Nas comunidades onde trabalhei só funciona com eficiência a coleta de lixo. O restante não funciona – disse ele.

J. destacou que a maior parte dos projetos sociais ou culturais em atividade nas áreas de UPPs têm como mentores e executores os próprios policiais. “A proximidade com a comunidade acontece quando os próprios policiais fazem algo. Quando um policial que toca violão decide fazer uma escolinha, ensinar uma arte marcial, pintura ou algo do tipo. Fora isso, hoje o estado não faz nada, nada, nada…”, afirmou.

Tida como ponta de lança do projeto da UPP, a retomada dos territórios antes ocupados pelo tráfico de drogas está em xeque. Segundo outro policial entrevistado pelo DIÁRIO DO VALE, já não é mais possível fazer patrulhas noturnas ou mesmo durante o dia em áreas do Complexo do Alemão e Manguinhos.

– Nosso efetivo é pequeno e as armas pesadas dos traficantes reapareceram. Elas ficaram enterradas e escondidas em paredes falsas. Os próprios bandidos falam que as armas “estavam no óleo”, que é uma gíria para guardada. E estavam, mesmo – disse ele, ao desmistificar que o tráfico chegou a ficar adormecido nas áreas ocupadas pela polícia:

“O movimento nunca parou. As armas ficaram realmente escondidas, mas na medida em que os bandidos captaram a falência da área social apareceu uma pistola aqui, uma outra ali. Vieram os fuzis. Eles arregimentaram jovens, formaram bandos e hoje estão retomando toda a área. Se nada mudar, as comunidades cairão totalmente na mão do tráfico”, disse o policial, de 26 anos.

Tiros aumentam em áreas que deveriam estar pacificadas.

Além dos episódios citados pelos policiais em favelas localizadas na Zona Norte, outros dois casos ocorreram nos últimos dias em outras áreas do Rio de Janeiro, mostrando que o problema está se generalizando. Da Zona Oeste a Zona Sul os episódios de violência ficam cada vez mais evidentes em áreas que deveriam estar pacificadas.

Na sexta-feira do dia 7 de outubro o policial militar André de Jesus Silva, de 36 anos, foi morto em uma troca de tiros na Cidade de Deus, em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio.

Ele foi atingido na axila e, segundo colegas de farda, poderia ter sido salvo caso o socorro não tivesse demorado a acessar o local onde ocorreu o tiroteio. Com um detalhe: policiais que estavam na operação disseram que a retirada de André da Cidade de Deus só demorou por conta do poderio de fogo dos bandidos, que impediu a entrada do resgate. O soldado ainda chegou a ser levado para o hospital, mas morreu em seguida.

Na semana passada, numa segunda-feira, um intenso tiroteio ocorreu nas comunidades Pavão-Pavãozinho e Cantagalo, entre Copacabana e Ipanema. Os tiros se estenderam entre a manhã e o final da tarde, com três suspeitos de tráfico mortos e três policiais militares feridos, incluindo o comandante da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) local, capitão Vinícius de Oliveira. Foram presos oito homens, também suspeitos de ligações com o tráfico no local.

Morte de soldado de Volta Redonda faz crescer vontade de retornar.

Por tudo o que já passou nos últimos quatro anos, o soldado J. tem em mente uma certeza e um desejo. Para ele o Rio de Janeiro está longe de ser a Cidade Maravilhosa dos cartões postais e o que mais quer é a transferência para um batalhão da região.

– Tento sempre a transferência. Nem cachorro quer ficar no alojamento, que não tem ar-condicionado, é cheio de mosquito e com colchões que mais cansam que nos descansam. Com isso, toda folga para descansar de verdade temos de voltar para casa – disse ele.

J. não esconde que em muitas ocasiões o sentimento é de medo ao sair para simples patrulhas. Questionado sobre o momento mais tenso da carreira na PM, ele surpreendeu:

– Não foi tiroteio, não foi operação. Foi quando recebi a notícia da morte do André de Jesus, de Volta Redonda. Nem mesmo o conhecia direito, mas me coloquei no lugar dele. Estou no lugar dele muitas vezes – disse J.

Dois lados

O DIÁRIO DO VALE também conversou com um policial militar que chegou a trabalhar em uma UPP no Rio e conseguiu ser transferido para um batalhão do Sul Fluminense. Ainda jovem, o soldado I. garantiu que não pensa jamais em voltar a patrulhar o Rio de Janeiro.

– Perto do que os colegas do Rio enfrentam, os morros e áreas mais perigosas do Sul Fluminense lembram o paraíso – disse.

Nem mesmo quando comenta a questão salarial o soldado deixa de comparar o que viveu no passado recente patrulhando o Rio e o trabalho de agora. “É melhor em tudo ficar por aqui. Ideal era receber em dia, mas se for para não receber que fiquemos perto de casa”, afirmou.

‘UPPs são hoje o mesmo que o DPO’

Um dos soldados entrevistados pelo DIÁRIO DO VALE comparou a situação nas áreas com UPPs a uma panela de pressão prestes a explodir. Segundo ele, na atualidade a Unidade de Polícia Pacificadora nada mais é que uma versão repaginada dos antigos DPOs (Destacamentos de Policiamento Ostensivo).

– A UPP é uma panela de pressão. Você pode começar um dia calmo, com tudo tranquilo e de repente assistir a revolta da comunidade. Ou ainda ficar no fogo cruzado num conflito de traficantes, disse ele, que destacou outro problema:

– Criou-se uma expectativa com nossa chegada. Foi dito que as coisas melhorariam, que os serviços públicos iriam chegar. A UPP carregava esse peso, todos sabiam. Como nada mudou, a culpa é nossa (policiais. Falta luz, jogam pedra na UPP. Falta água, protesto na frente da UPP. Não somos mais bem vistos nas comunidades – disse o policial.

Pezão diz que projeto das UPPs terá continuidade

O governador licenciado do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, afirmou que o projeto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) continuará mesmo com o afastamento do secretário de Segurança, José Mariano Beltrame. Em entrevista por telefone para a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), Pezão afirmou que o novo secretário, Roberto Sá, conhece o programa e terá autonomia para montar sua equipe.

Beltrame deixará o comando da Secretaria Estadual de Segurança logo após o segundo turno das eleições municipais, marcadas para 30 de outubro. “Ele [Roberto Sá] vai ter a mesma autonomia que o secretário Beltrame teve. O programa [das UPPs] vai continuar. Nós não vamos arredar pé, mesmo no maior momento de dificuldades que estamos vivenciando hoje. A política de pacificação continuará. Foi uma política que se mostrou acertada. A gente quer continuar e com um secretário que conhece isso profundamente”, disse.

Prioridades definidas

Mesmo com as dificuldades financeiras, o governador licenciado afirmou que segurança e saúde serão prioridades. “Nós temos que nos adequar à receita que temos. Todas as pastas estão fazendo ajustes e nós vamos continuar a fazer esses ajustes. E a segurança, saúde e educação continuam sendo a nossa prioridade, claro que dentro de uma realidade que a gente vivencia hoje no Brasil”, afirmou.

Novos cortes no orçamento serão anunciados ainda neste mês. Pezão não adiantou valores, mas disse que todas as áreas terão ajustes. Ele descartou ajuda extra do governo federal.

“Não tem espaço para isso. A União está com muitos problemas também. O déficit da União é muito grande. Nós temos que fazer primeiro o dever de casa, como todos os estados estão fazendo, e nos adequarmos à realidade que a gente tem hoje”, disse.

Pezão, que está afastado desde março, para tratamento de um câncer, anunciou que pretende voltar ao cargo no início de novembro e que depende apenas de avaliações médicas.

Assim como soldados, Beltrame criticou falta de recursos e de projeto social

Na semana que passou o delegado de Polícia Federal, José Mariano Beltrame, confirmou a saída do cargo de Secretário Segurança do Rio de Janeiro. O tom do discurso de despedida foi ameno, mas em outras oportunidades ainda em 2016 ele fez críticas parecidas com aquelas feitas pela tropa: falta apoio financeiro e social.

Em março deste ano Beltrame participou de uma audiência na Alerj (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, na qual falou sobre a situação da segurança no estado.

Beltrame é o idealizador do projeto das Unidades de Polícia Pacificadora e também um crítico à falta de investimento em programas sociais. Na época, o governo estadual havia anunciado o corte de 35% nos investimentos do setor. Uma nova tesourada deverá ser anunciada em breve, mas em março Beltrame já havia sinalizado que o cenário iria ficar ruim.

“O corte resultou em 130 pessoas demitidas, redução de viaturas, cortes de contratos pequenos de manutenção. Fiz a lição de casa, mas não gostei do corte, porque sempre trabalhei enxuto”, comentou o então secretário na Alerj.

Beltrame informou que, para minimizar os efeitos da crise econômica da pasta, solicitou reingresso dos policiais cedidos a outros órgãos para suprir parcialmente a falta de novos concursados. “Mais de 2,3 mil policiais estão há anos em outras instituições. Estes órgãos poderiam nos devolver temporariamente esse efetivo significativo durante o período de crise”, disse, meses antes de “jogar a toalha”.

Em outro evento, em maio, ele criticou a falta de apoio da área social: “Não tenha dúvida de que a falta de programas sociais está inserida na consequência dos problemas. Fizemos um trabalho no Morro da Providência, em que 16 pessoas foram presas ou neutralizadas. A Providência está estabilizada, ainda que as pessoas estejam traumatizadas pelas operações policiais recentes. Agora era o momento de agir, de procurar os jovens, as famílias, de fazer alguma coisa. Porque tenho certeza de que em cinco, seis meses, nós vamos ter de ir lá de novo. O que venho diuturnamente pregando no deserto é que não venham mais falar da polícia, porque a polícia está fazendo seu trabalho. E não cobrem da polícia colocar na cabeça de um jovem que não opte pelo crime. Gostaria que tivessem outras CPIs para dizer para onde foi o dinheiro da assistência social. Você abre os dados do Instituto de Segurança Pública. E as questões sociais: quantos gastaram, quantos jovens recuperaram?”, disse.

Postado por: Fernando Almeida

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